Bruno Damasceno Brito é mais um dos jovens negros que entram para as estatísticas de mortes após abordagens policiais mal explicadas. No dia 11 deste mês, o adolescente de 17 anos saiu para pescar na lagoa do Abaeté, em Salvador, com o irmão, um primo e um amigo. Horas mais tarde, Bruno estava morto, com marcas de espancamento e um tiro na cabeça no hospital Menandro de Faria, Região Metropolitana da cidade.
O irmão de Bruno explica que saíram aquele dia para pescar na lagoa, onde passaram a tarde. Quando começou a escurecer, resolveram voltar para casa. Porém, ele havia esquecido uma sandália no local, todos retornaram à lagoa. A partir daí, a história acaba tomando um rumo trágico. O grupo foi surpreendido por dois policiaisatirando. Os jovens correram assustados, Bruno em direção contrário do resto, entrando em um matagal.
Os PMs, que estavam com uma pistola e uma carabina, alcançaram o grupo perto da lagoa. Revistaram mochilas e tiraram fotosdos rostos e tatuagens dos jovens. Por cerca de uma hora foram obrigados a ficar ajoelhados e de costas. Então, um dos policiais seguiu em direção à mata, de onde ouviram mais um tiro.
Nesse meio tempo, o irmão relatou que Bruno era portador de epilepsia.Depois de ouvido mais um tiro vindo da mata, o segundo policial reapareceu. Ao perguntar sobre o irmão,o PM respondeu que o jovem estava sendo atendido. Mandaram os jovens entrar na lagoa e seguir até a água chegar à altura do pescoço.
Uma hora depois, ao perceberem que estavam sozinhos, resolveram sair da lagoa e procurar Bruno na mata. Não o encontrando, voltaram para casa e junto de outros familiares foram a hospitais da região. Em um dele Bruno foi encontrado, porém morto.
O irmão mais velho de Bruno relatou que este saía quase sempre acompanhado por causa das crises e tinha a necessidade de tomar remédios controlados. O adolescente tinha um grau de epilepsia de difícil controle, o que gerava comprometimento cognitivo e de comportamento.
Por meio de nota, a assessoria da Polícia Militar manifestou somente que naquele dia uma equipe da 15ª Cia Independente da Polícia Militar (CIPMQ- Itapuã) avistou três indivíduos em “atitude suspeita”, que estes tentaram fugir e que houve um “confronto”. O caso está sendo investigado por meio do Inquérito Policial Militar (IPM).
Após este relato, é inevitável refletir sobre as seguintes questões: O que seria uma “atitude suspeita” no cenário em que a abordagem policial foi iniciada? Como foi exatamente essa abordagem? Qual seria a reação de qualquer pessoa ao ouvir tiros, ao anoitecer, em uma região afastada?
Mesmo que sejammuitos os episódios de abordagens mal conduzidas, os relatos a respeito muitas vezes acabam neutralizando a ação policial, como se a mortalidade jovem e negra eclodisse neste contexto porque policiais são humanos e erram. Termos como “genocídio simbólico” e “criminalização da pobreza” surgem então ligados a episódios como o retratado, uma vez que os dados constatam ser a truculência policial seletiva um dos fatores que cooperam com o aumento de assassinatos de jovens negros no Brasil.
O artigo “Vidas negras: um panorama sobre os dados de encarceramento e homicídios de jovens negros do Brasil”, de Oliveira et al. (2018), inicia este debate a partir de um relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), do Senado, de 2015,que faz um levantamento do assassinato de jovens no país. Além de audiências públicas em vários estados brasileiros (ao menos 28), foram coletados dados das próprias Secretarias de Segurança Estaduais.
Um dos aspectos levantados pelo relatórioé a premissa de que vivemos em uma sociedade desigual, com escassez de serviços públicos básicos para a população, em sua maioria negra e pobre. O que gera mortes, sem dúvida. Outro fator, desta vez objetivamente exposto em estatísticas de mortes em regiões periféricas,é a diferença na abordagem policial em se tratando de negros e brancos – o que endossa a hipótese de que muitos homicídios de jovens negros, como o Bruno, decorrem dessasações.
A CPI de 2015apontamais dadosalarmantes: em 2011, mais da metade dos 52 mil indivíduos assassinados, era composto por jovens – 71,44% deles eram negros e do sexo masculino.
Outro fator que vem à tona é a necessidade de transparência dos dados sobre a segurança pública e a violência.O “Relatório Jovens do Brasil” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2014, ao comparar a taxa de assassinatos entre brancos e negros entre os anos de 2002 e 2012, concluiu que a cada 100 mil pessoas, o número de jovens brancos assassinados caiu 32%, enquanto aumentou, no mesmo percentual, o número de negros assassinados.
Para os estudiosos, esses são apenas alguns dos indicadores que demonstram a predominância da suspeição e punição, além da violência letal, que afetam essencialmente negros. Por isso é necessário considerar que os indivíduos estão sendo silenciados ou exterminados em nome de uma suposta segurança pública a qualquer custo.
Ao vigiar os números relacionados à mortalidade da juventude, os estudiosos têm denunciado o que pode ser chamada de“intencionalidade subjetiva” do Estado. Isto acontece no momento em que há “punição” de indivíduos caracterizados pelo baixo poder de consumo e por serem afrodescendentes.
Infelizmente, notícias de casos como o de Bruno acabam destacando que instituições e agentes da segurança pública não poucas vezes atuam de um viés racial, institucionalizando o racismo diante do que se considera como “ação suspeita”, “confronto” e práticas de abordagem consideradas aceitáveis em determinadas regiões, com determinados cidadãos.
Texto: Ana do Prado
Fonte: CORREIO 24 HORAS https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/e-uma-dor-imensuravel-diz-pai-que-acusa-pms-por-morte-de-filho/
“Vidas negras: um panorama sobre os dados de encarceramento e homicídios de jovens negros do Brasil” http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/tint/article/view/11098/7445
“Violência letal no Brasil e vitimização da população negra: qual tem sido o papel dos policiais e do Estado” http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9163/1/Violencia_Cap7.pdf
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