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O feminicídio e a mão invisível do Estado

Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) completa 13 anos em agosto, representando um grande avanço na luta contra a violência doméstica por possibilitar que agressores sejam presos em flagrante e tenham a prisão preventiva decretada. Porém, mais de uma década após o seu nascimento, estudos têm revelado o aumento significativo de feminicídios no país.

No dia 09, no interior de São Paulo, Kenya Regina Silveira, de 20 anos, foi assassinada a facadas por um rapaz que queria manter um relacionamento com ela e não foi correspondido. Em março, Isabela Miranda de Oliveira, de 19 anos, apanhou e teve 80% do corpo queimado pelo namorado, William Felipe Alves, em Franco da Rocha (SP). Em Borborema, também interior de São Paulo, Anderson Dornelos Urich, 25, estrangulou a namorada, Thaís de Andrade, no dia 29 de julho, após uma discussão por causa de ciúmes.

Imagem: Paulo, Kenya Regina Silveira | Reprodução/Facebook

No dia 09, no interior de São Paulo, Kenya Regina Silveira, de 20 anos, foi assassinada a facadas por um rapaz que queria manter um relacionamento com ela e não foi correspondido. Em março, Isabela Miranda de Oliveira, de 19 anos, apanhou e teve 80% do corpo queimado pelo namorado, William Felipe Alves, em Franco da Rocha (SP). Em Borborema, também interior de São Paulo, Anderson Dornelos Urich, 25, estrangulou a namorada, Thaís de Andrade, no dia 29 de julho, após uma discussão por causa de ciúmes.

Imagem: Isabela Miranda de Oliveira | Reprodução/Facebook

Percebemos que casos como os citados aparecem nos noticiários acrescidos sempre de uma contextualização que é muitas vezes limitada ao comportamento da vítima e a razão pela qual o homem foi levado a cometer o crime. Mas, qual o nível de civilidade e empatia ainda não alcançamos para acabar com as discussões a respeito das possíveis motivações e começarmos a reconhecer que o feminícidio assola o Brasil? Fica cada vez mais claro que a necessidade de o justificar revela muito mais sobre o quanto a mulher é ignorada como um ser humano provido de direitos.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), o primeiro trimestre de 2019 revela o aumento em 76% de feminicídios em relação a 2018 (o número pulou de 21 para 37). Os detalhes que preenchem estas taxas merecem atenção: desses 37 casos, 26 têm autor do crime identificado, e, 30 destes, ocorreram nas residências das vítimas. De janeiro até junho, foram registrados 82 casos, sendo 68 destes esclarecidos por um simples motivo: os assassinos eram parceiros abusivos, sinalizando que a violência de gênero estava presente no relacionamento.

A Organização das Nações Unidas (ONU) defende que a verdadeira razão do feminicídio é o sentimento de posse sobre a mulher e seu corpo, assim como a necessidade de limitar sua emancipação – seja ela profissional, financeira ou intelectual. Mas também há o desprezo e ódio pelo gênero – o que chamamos de misoginia. Tudo isto reflete as consequências de uma sociedade que cultua o machismo, favorecendo as agressões contra as mulheres.

Em 2016, o Brasil já era considerado o quinto país do mundo em taxa de feminicídios, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos (ACNUDH/ONU). Ainda em 2019, também lidamos com o fato de que muitos casos escapam às estatísticas, sendo erroneamente categorizados. Os especialistas apontam que o feminicídio eclode como final de um ciclo de violência que pode durar anos, sendo muitas vezes premeditado e não fruto de uma forte emoção.

Origem do termo feminícidio

Feminicídio é um termo recente para grande parte da população, por isso, muitas vezes o seu significado não é reconhecido pelas próprias mulheres. É partir dos anos 2000 que surge a denominação “femicida” como uma categoria de violência de gênero. Segundo a pesquisadora Lagarde (2007), a violência de gênero é a violência misógina, ou seja, dirigida para mulheres por simplesmente serem mulheres. Isto vem sempre acompanhado de relações de desigualdade como subordinação, exploração e opressão. Dessas condições surgem ameaças, agressões e o crime.

Assim, o femicídio é o assassinato de mulheres por causa do seu gênero, sendo a violência final cometida por homens por desejo de poder, dominação ou controle. O termo feminicídio surge do femicídio de Lagarde, mas acrescido de um contexto de impunidade e conivência estatal – o que traz um elemento político ao cenário. O uso da palavra feminicídio denuncia a participação do Estado ao não garantir a segurança para as mulheres.

Para Campos (2015), alguns fatores podem ser usados para diferenciar o feminicídio do homicídio, como a desfiguração do corpo, especialmente dos seios, vagina e rosto – que revelam a misoginia e a violência sexual. Como também há comportamentos que decorrem do sentimento de controle sobre a mulher, como já citado. O que acaba demonstrando a tolerância do Estado e da mídia é a denominação “crime passional” para os relatos de crimes cruéis contra mulheres – uma vez que o feminicídio decorre da vontade de impedir que esta decida e possa ter controle de sua vida.

Mascarar dados para não assumir a responsabilidade

Para o colunista João Paulo Cunha, os dados a respeito do feminicídio não são devidamente apurados ou veiculados, revelando uma tendência de mascarar a realidade do próprio Estado. Ao isto acontecer, acentua-se enganosamente bons resultados, sendo que na verdade há uma irresponsabilidade da administração pública: “O papel do

governo não é celebrar o fato de fazer seu trabalho – o que não é mais que obrigação – mas se planejar para prevenir e enfrentar problemas reais. Na área da segurança pública, sabemos que atitudes de combate e repressão ao crime só são sustentáveis quando combinadas com o enfrentamento das causas”.

Ainda conforme Cunha, com um balanço errado a respeito da criminalidade, políticas públicas não são devidamente implementadas para reverter os riscos: “Divulgar honestamente os dados, inclusive se esforçando para vencer a subnotificação, é atitude essencial em favor do estímulo à transformação cultural, única ação capaz de enfrentar o monstro do preconceito, do machismo, do patriarcado e da misoginia”.

Outra consequência apontada pelo mesmo colunista, e esta é mais fácil ser visualizada no nosso cotidiano, é a naturalização da violência contra as mulheres. Isto porque minimizá-la exige uma reforma estrutural na sua forma de combater e controlar – o que exige investimentos do Estado em políticas públicas de muitas naturezas (cultural, legislação, mobilização social).

Por Ana do Prado

Fontes:

Estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) https://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/pesquisa.aspx

Sobre a Lei Maria da Penha https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/lei-maria-da-penha

“O governo esconde dados sobre o feminicídio” – João Paulo Cunha (Brasil de Fato) https://www.brasildefato.com.br/2019/07/19/governo-esconde-dados-sobre-feminicidio/ João Paulo Cunha (colunista do Brasil de fato)

ONU: Taxa de feminicídios no Brasil é quinta maior do mundo; diretrizes nacionais buscam solução. Disponível em: https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/

“Feminicídio no Brasil: uma análise crítico-feminista” – Carmen Hein de Campos | Sistema Penal & Violência, v. 7, n. 1, p. 103-115, 2015. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/20275/.

“Por los derechos humanos de las mujeres: la Ley General de Acceso de las Mujeres a una vida libre de violencia” – María Marcela Lagarde y de los Ríos.

Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales, v. XLIX, n. 200, p. 143-165, maio-ago, 2007.

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